Pontapé Canhão Nº3 - Erwin Sanchez

ERWIN SÁNCHEZ

Vivemos dias de decisões importantes no acesso ao Mundial 2014 no Brasil. Há mais de 20 anos atrás jogou-se o acesso a um dos mais míticos campeonatos mundiais de todos os tempos: USA'94. Na América do Sul, 4 tubarões mega favoritos: a Argentina de Maradona, o Brasil de Romário, a Colômbia de Valderrama e o Uruguai de Francescoli. Mas havia um pequeno país, entre os Andes e a Amazónia, que ousou sonhar. Foi a Bolívia de Erwin Sánchez! 




Golos do Sanchez: 0:35 / 2:35 / 4:05

No Mundial ninguém queria saber da Bolívia. Se forem maluquinhos por cadernetas de mundiais como eu, devem lembrar-se que havia selecções em que 1 jogador não merecia 1 cromo, havia selecções com 2 jogadores para 1 cromo. A Bolívia era uma dessas selecções e o Erwin Sánchez tinha que partilhar o seu espaço na eternidade com o SrWilliam Ramallo, jogador do Destroyers, na página 26 da caderneta.

3 jogos fez a selecção boliviana no World Cup 1994. Perdeu com a Alemanha de Lothar Matthaus por 1-0 (golo do carrasco Klinsmann), empatou a 0-0 com a Coreia do Sul de Kim Joo Sung e perdeu 3-1 com a Espanha de Salinas (golos do Guardiola e do Caminero). O único golo da Bolívia neste mundial? Primeiro e único golo da história da selecção em Mundiais? Erwin Sánchez, está claro! 


Sánchez aos 0:20 do vídeo

A maior glória ao serviço da selecção poderia ter sido alcançada em 1997, ano de Copa América no seu país natal. Depois de um galopante percurso até à final, nem uma potente buja de Sánchez a empatar o jogo antes do intervalo fez com que o Brasil deixasse de conquistar o troféu. Para terem uma ideia do poder da selecção brasileira neste ano, fiquem com o 11 inicial: Taffarel, Cafu, Aldair, Gonçalves, Roberto Carlos, Flávio Conceição, Dunga, Leonardo, Denilson, Edmundo e Ronaldo.

 Buja do Sánchez aos 30 segundos (ou então frango do Taffarel!)

Mas recuemos no tempo...

Sánchez formou-se no Club Destroyers da Bolívia, um clube de Santa Cruz, a maior cidade da Bolívia. Nesta mesma equipa jogava (para além do companheiro de caderneta Ramallo) o também ele mítico Marco Etcheverry, médio ofensivo da selecção boliviana, considerado um dos melhores jogadores de sempre do país. Este clube aguentou-se bem na 1ª divisão boliviana entre os anos 80 e 90, mas a passagem do milénio trouxe uma nova realidade ao clube e hoje em dia vagueiam pela 3ª divisão boliviana.
Deu nas vistas em Santa Cruz com 23 golos apontados ao serviço do Destroyers e o maior clube da Bolívia, o Bolívar, foi buscá-lo para jogar em La Paz. A ascensão foi meteórica. Em vez de jogar a 400 metros do chão, passou a jogar a 3500 metros do chão. Sánchez sentia-se no céu. Pudera...

Ah pensavam que ele se sentia no céu por jogar a 3500 metros de altitude? Não, nada disso. Sánchez sagrou-se campeão no seu ano de estreia em La Paz, ao serviço do Bolívar, depois de uma vitória por 3-0 contra o rival The Strongest. Eles lá na Bolívia não têm muito jeito para escolher nomes de equipas, não liguem!

Este sucesso todo fez com que o Sánchez fosse todo contente participar na Copa América em 1989, no Brasil, onde iria encontrar jogadores como Caniggia, Sensini, Francescoli ou Ruben Sosa. Apesar da Bolívia ter ficado em último lugar no grupo e do Sánchez ter dado pouco nas vistas, o Sven Goran Eriksson teve a lucidez suficiente para contratar para o Benfica um dos médios mais míticos que já passou pelo nosso campeonato!

Despedia-se, em 1990, da Bolívia. Portugal ansiava pelas suas bujas.

O Benfica tinha perdido a Taça dos Campeões Europeus para o Milan e o Eriksson queria alternativas para o Valdo/Pacheco/Paneira. O Diamatino e o Chalana tinham ido embora... Chegavam Sánchez e Isaías. A estratégia resulta e o Benfica recupera o título, Sánchez sagra-se campeão no seu ano de estreia, apesar de só ter alinhado em 8 jogos com a camisola berrante. Isaías afirma-se no Benfica enquanto Sánchez é dispensado para o Estoril.

Sánchez faz uma época muito boa no Estoril. Claro que numa equipa que conta com pontas de lança como o sueco Eskilsson (melhor penteado 80's a actuar em Portugal) ou o búlgaro Voynov, ou centrais como o Helder, a coisa torna-se fácil, mas mesmo sendo fácil, Sánchez agarra a titularidade e faz 8 golos no campeonato português, despertando a curiosidade no Manuel José e no Major Valentim, que precisavam de um virtuoso para assistir Artur, Ricky ou Marlon Brandão, no Boavista.

E aí foi Erwin Sánchez rumo ao Bessa. Rumo ao mítico Estádio do Bessa, lar da pantera!

Tardes de bola em que tinhas o rádio sintonizado em 89.5MHz com o Perestrelo eram uma maravilha.  
Ripa na rapaqueca! O que é que é isso ó meu? Tenta a revienga! Falta senhor árbitro. É livre! Livre para o Boavista! É Sánchez quem vai bater o livre! Tu tás maluco meu! Daí? Daí nem que o Jacaré tussa! AH-AH-AH! O qu'é qué isso ó meu? É go-lo, é go-lo, é-gol-é-gol-é-gol-ó. GOLO do Boavista!

O Jacaré tossia tantas vezes quando era o Sánchez a marcar. Bastava ele pegar na bola que qualquer adepto do clube rival do Boavista sentia um arrepio na espinha.




Em 92-93 Sánchez chegou tímido ao Boavista. Manuel José, tal como Sven Goran Eriksson, olhou desconfiado para o boliviano, astro num país sem expressão internacional e preferiu apostar em Rui Casaca, prata da casa. Demorou mais ou menos 1 época a transformar Sánchez no substituto de Casaca no clube e os resultados foram estrondosos.

Sánchez assume-se como a figura do Boavista nos anos seguintes. Bujas e mais bujas. Futebol duro, com raça, atitude e bujas, mais bujas e outras bujas. Sánchez aguentou a titularidade na chegada de Ion Timofte, craque romeno que vinha do Porto para dar concorrência a Sánchez. A concorrência era tanta que Timofte quando queria jogar tinha que encostar à esquerda. Sánchez viu nascer e partir Nuno Gomes, jogou com grandes pontas de lança como o Artur ou o Jimmy Floyd Hasselbaink. Jogou ao lado de médios como Tavares, Nelo, Rui Bento ou o todo poderoso "El Ceifeiro" Bobó. Na baliza viu nascer Ricardo (o voz de clarinete) e viu reinar Alfredo. Na defesa jogou com Nogueira, Pedro Barny, Caetano, Litos, Pedro Emanuel, Jaime Alves, Abazi, Paulo Sousa, etc... Este Boavista dos anos 90 era de facto poderoso. Dá saudades só de pensar no estádio do Bessa.

A glória de Sánchez chega finalmente no dia 10 de Junho de 1997, dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas. Local? Estádio do Jamor. Final da Taça de Portugal contra o Benfica de Preud'Homme e João Vieira Pinto, treinado por - ironia das ironias - Manuel José, o treinador que arquitectara este Boavista dos anos 90. Ricardo na baliza. Paulo Sousa a lateral direito, Isaías e Litos centrais, Mário Silva lateral esquerdo. Rui Bento e Tavares os trabalhadores. Helder na direita, Sánchez ao meio, Simic na esquerda. Nuno Gomes. A buja de Sánchez no 1-0 é uma alfinetada no pâncreas de qualquer benfiquista que se preze.



Sánchez começou no Jamor a fazer a cama ao treinador que o lançou. Manuel José teve que o ir buscar ao Bessa, juntamente com o Nuno Gomes, para ver se começava a compor as coisas no Benfica, mas não era fácil. Na defesa jogadores como Sousa ou El-Hadrioui punham os nervos à flor da pele a qualquer um. A derrota por 3-1 no estádio dos Arcos foi a gota de água e Manuel José ficava desempregado. Sánchez não lhe servia de muito. Com Mário Wilson chegavam a jogar 4 centrais ou 2 laterais esquerdos em simultâneo. O que é certo é que Sánchez foi-se aguentando até que... Souness chega. Souness era uma figura peculiar. Queria tudo muito disciplinado, tudo muito objectivo, 4-4-2 britânico, usar número 10 eram modernices. O Benfica tinha demasiados sul-americanos com sangue que fervia facilmente. Ficou o Ronaldo Guiaro, central cepo e o resto foi-se tudo embora. Incluindo o Sánchez. Ficámos com um Benfica luso anglo-saxónico e o Sánchez regressou à sua casa, por empréstimo, ao Boavistão de Jaime Pacheco.



Em 1998/99 Timofte levou a melhor e foi o Sánchez quem sentou o rabo no banco. Curiosamente, o Boavista de Sánchez consegue ficar à frente do Benfica de Souness no campeonato. As sopas de cavalo cansado de Jaime Pacheco muito mais fortes que o bacon & eggs de Souness, colocam o Boavista num surpreendente 2º lugar. Eram horas de Sánchez regressar a Lisboa, a um novo Benfica em construção, ao Benfica de Jupp Heynckes. Mas Heynckes preferia Chano a Sánchez e Tote a João Vieira Pinto. São escolhas. Sánchez, ao contrário de João Vieira Pinto, não rescinde, vai para a equipa B arrastar-se com jogadores como Michael Thomas, Cláudio Oeiras (acabou carreira no ano passado ao serviço do Pêro Pinheiro), Moreira e Jorge Ribeiro.

 O Boavista de Jaime Pacheco, em Janeiro, resgata Sánchez mais uma vez. Era um atentado ao futebol ver um jogador assim jogar na 2ª Divisão B. Assume a titularidade e aquece as chuteiras para o que aí vinha... A gloriosa época de 2000/01.

Sánchez campeão nacional em Portugal outra vez! Depois de tantas bujas, o talento era recompensado. Boavista, com ou sem corrupção, vencia o primeiro título de campeão nacional da sua história. Sánchez fazia parelha no meio campo com Rui Bento e Petit e foi decisivo em vários jogos do campeonato com os seus 8 golos, sendo um deles o tento da vitória contra o Beira-Mar, no Bessa. No jogo do título o futebol de Sánchez foi mais uma vez decisivo. Uma buja do Sánchez com um desvio do Elpídio Silva desbloqueava o difícil 0-0 e o Boavista partia para a mais gloriosa vitória da sua história. O eterno 3-0 de Jaime Pacheco ao Desportivo das Aves do Professor Neca, com Carlos Carvalhal a adjunto!


Em 2001/02 Sánchez voltou a provar que a época anterior não tinha sido obra do acaso. Um Boavistão europeu faz um percurso bombástico na Liga dos Campeões. Lembram-se quando a Liga dos Campeões tinha 2 fases de grupos? Pois é, este modelo patético que pouco durou sorteou na 1ª fase de grupos o campeão Boavista com Borussia de Dortmund, Dinamo Kiev e Liverpool. Imaginem só se hoje em dia o Porto ou o Benfica caíssem num grupo destes... O Boavista passou este grupo em 2º lugar, amigos, à frente do Dortmund, conseguindo 2 empates 1-1 contra o Liverpool. Depois na 2ª fase, apanha no grupo o Man Utd de Beckham, Giggs e Nistelrooy, o Bayern Munique do Elber e o Nantes, campeão francês, arrumado para o último lugar do grupo, tendo o Boavista conseguido um honroso 3º lugar nesta fase. O Sánchez? O Sánchez é ver para crer, logo no início do vídeo... Palavras para quê?



Em Janeiro de 2003, depois de iniciar a época como titular no Boavista de Jaime Pacheco, que chega às meias-finais da Taça UEFA (eliminado pelo Celtic), uma lesão no joelho põe fim à carreira de Erwin Sánchez como jogador em Portugal. Ficando no plantel, é ele quem assume as rédeas da equipa quando Jaime Pacheco sai para o Maiorca... Saltou do departamento médico para o banco com a braçadeira de treinador. Foi difícil, Sánchez era muito criticado, mas mesmo assim conseguiu aguentar quase até ao final do campeonato no comando técnico da equipa, a treinar cepos como Jocivalter, Macanga ou Márcio Mexirica. Um empate com o Paços ditou o seu despedimento.

Com o despedimento, Sánchez resolve continuar a sua vida enquanto jogador de futebol, mas as coisas já não corriam como antigamente. Na Bolívia, agora no Oriente Petrolero, a sua personalidade (e testa) forte metem um árbitro KO na sequência de uma cabeçada num jogo do seu clube contra o Blooming. Estala o escândalo, Sánchez manda toda a gente à fava e nem comparece no tribunal para responder pela agressão. É suspenso por 18 meses e a sua carreira acaba assim. Merecia mais. Mas o herói continuava lá. A Bolívia continuava a respeitar o seu passado, mas os tempos de jogador tinham terminado. Era hora de assumir a selecção boliviana e tentar levá-la ao Mundial 2010 na África do Sul. Sánchez não encontrou o caminho para África. Regressa ao Oriente Petrolero enquanto treinador e as coisas continuavam a não lhe correr bem. Primeiro, o azar mais uma vez a bater à porta e os troféus conquistados ao longo da carreira saem literalmente chamuscados num incêndio numa propriedade sua. Por último, mais uma vez a fazer das suas, Sánchez manda todos à merda depois de se sentir injustiçado pela arbitragem, outra vez, num clássico contra o Blooming...



Para terminar em beleza, ou não, Sánchez foi há poucos meses condenado a 2 anos de prisão depois de falcatruas na aquisição de uma casa. Coitado, só queria uma casa para a reforma... De 400mil dólares...

Vou tentar descobrir a morada da prisão para lhe enviar uns chocolates pelo Natal. Espero que vocês, no mínimo, façam o mesmo.


PS: Estás aí a choramingar de como é que num post deste tamanho eu não menciono a alcunha "Platini da Bolívia"? Porque o sonho do Platini era ser chamado de "Sánchez da França". O Platini que vá para o caralho!
Share on Google Plus

About Ai Vale Bujas

This is a short description in the author block about the author. You edit it by entering text in the "Biographical Info" field in the user admin panel.
    Blogger Comment

9 comentários:

  1. Grande post campeão! Continua ;)

    ResponderEliminar
  2. obrigado, malta. Que fique bem claro que não paguei nada a esta gente

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Então mas...o Paulo Pereira Cristóvão contactou-me. Pensei que era para vir aqui dizer "Grande artigo. Parabéns.". Ainda agora vi a minha conta e já caíram € 500.

      Eliminar
  3. É tudo falso. Nem conheço o Paulinho, nem nunca comemos caracois na caparica e nem muito menos trocámos números do correio da manhã.

    ResponderEliminar
  4. grande posta, AVB! Fica-se à espera do artigo sobre o King! (o verdadeiro, não o Pantera).

    ResponderEliminar
  5. Grande posta parabéns. O sanchez será sempre, para mim, a verdadeira definição da valente buja!

    ResponderEliminar