A Constatação do Óbvio

Os adeptos dos clubes portugueses NÃO GOSTAM de futebol

Não vem mal ao mundo pelo facto do típico adepto de futebol em Portugal só conhecer o 11 inicial da sua equipa e mais meia dúzia de jogadores dos seus rivais. Eu posso não ser um profundo conhecedor de jazz e conseguir, no entanto, reconhecer a beleza nas melodias dum Coltrane ou dum Pat Metheny num bar de jazz perdido no Bairro Alto. Não vem mal ao mundo pelo facto do típico adepto de futebol em Portugal não saber distinguir um 4-3-3 de um 4-2-3-1. Serei feliz indo todas as semanas ao cinema sem nunca ter visto em toda a minha vida um único filme de David Lynch. 

É possível gostar sem compreender. Compreender, sem gosto ou interesse, é possível mas mais difícil.
 
A norte, no Porto, construiu-se um clube de dimensão mundial com alicerces mentirosos. Mudou-se a data da fundação, abriu-se uma guerra com o Benfica - clube que até participara na inauguração do estádio das Antas -, montou-se uma gigantesca teia de influências que controlava tudo, desde a polícia ao homem que enfiava o apito na boca, passando por treinadores, jogadores e presidentes de outros clubes. A história já é conhecida. O processo já foi encerrado. O clube foi condenado e nem se preocupou com isso. Mas vamos ao que interessa de facto. Como reagiram os adeptos? 
Para eles estava tudo bem porque continuavam a ganhar. Para os portistas, vergonha seria não ganhar, ganhar com batota é sinal de matreirice, de inteligência ou esperteza. Para desculpar anos e anos de vergonha, inventaram-se histórias e casos sobre o Benfica. Clube do regime, calabote e mais umas quantas fantasias eram usadas como desculpa para toda a nojeira que vem acontecendo desde os anos 80. Os portistas vivem bem com isto. Ganham. O futebol não conta. O que conta é a palavra do Sr Dr Juíz do Tribunal da Comarca do Porto. 

Ainda a norte surgiu o Braga. Clube que se ergue à sombra do seu mentor António Salvador. Salvador aproveitou as boas relações com o Porto, algo que já tinha sido conseguido pela família Loureiro com o Boavista e o Braga consegue durante alguns anos tornar-se na 3ª maior potência do futebol português. Como? Mais uma vez, abrindo uma guerra com o Sul. Benfica e Sporting na mira. Deixava de ser seguro um adepto benfiquista ou sportinguista deslocarem-se ao estádio do Braga para ver o seu clube. Os mouros vinham aí. A hora não era de futebol, era de guerra norte-sul. Mais recentemente a estupidez estravazou e até os adeptos portistas começaram a entrar na mira dos bracarenses. O mote já não era a guerra norte-sul, o mote agora era "para sermos clube grande, temos que odiar todos os nossos rivais".

O Guimarães é igual com uma pequena grande diferença... Em Guimarães todos os rivais são tratados por igual. Em Guimarães gosta-se do Vitória e ponto final. Mas a mesma ideia bracarense mora lá. Para o Vitória ser grande, tem que odiar todos por igual. Ódio. Ódio. Mais ódio. 

Nos benfiquistas o futebol também passa ao lado. A patetice do número de sócios no guinness não chega nem para encher metade do estádio. Os benfiquistas vão ao estádio para ver o Benfica ganhar, nunca para ver o Benfica jogar. Quando o Benfica não ganha, o benfiquista fica em casa. Quando o Benfica ganha, diminui-se o adversário e na semana seguinte talvez se vá ao estádio. Goza-se com o Sporting semanas a fio depois de um épico 4-3, diz-se "também... Contra o X era melhor..." quando se ganha a uma equipa qualquer da 1ª divisão. Para o benfiquista, o Benfica nunca joga contra equipas de futebol. O Benfica joga sempre contra uma espécie de equipa estéril que deve entrar em campo para servir com reverência o Benfica. Quando correm um bocadinho mais diz-se logo "contra o Porto não correm eles assim". Quando se perde a culpa ou é do Jesus ou do árbitro. Para o benfiquista é impossível existir uma coisa tão simples quanto o futebol no relvado porque o benfiquista não percebe o que se passa no relvado.

Nos sportinguistas o caso é complexo. É o clube em Portugal que neste momento tem melhores condições para jogar o jogo pelo jogo. Jogar o futebol como antigamente. Amor à camisola. Não tem a pressão de ter que ser campeão. Mas os tempos são outros. Em 2013 estes putos do Sporting podem já estar todos com a cabeça no próximo clube. Os adeptos continuam como antigamente. Desde que não ganhe o Benfica está tudo bem. Estou maluco por escrever isto? Vejam as reacções ao jogo de futebol do último Sábado. Perderam? A culpa é do árbitro que quis beneficiar o Benfica descaradamente. Vejam o que acontece quando perdem contra o rival Porto. Perder com o Porto para o adepto sportinguista? Normal. É o estádio do Dragão, não é? Anos e anos de normalidade a perder com o Porto e anos e anos de injustiças contra o Benfica. O Sporting, se formos a ver bem, nunca merecia perder contra o Benfica. Nunca. Que o diga o Adrien.
O adepto sportinguista continua portanto profundamente afectado por um complexo em relação ao Benfica e nos dias que correm, como já não há Godinho Lopes nem nenhum Evaldo para culpar, culpa-se o árbitro quando se perde. Mas o sportinguista é diferente do benfiquista? Não. A vontade de atribuir uma culpa depois do desfecho dum jogo é igual, a única diferença entre um benfiquista e um sportinguista é a rivalidade com um portista. 

No resto dos estádios a miséria é ainda mais séria. Estádios vazios. Jogos da primeira divisão, muitas vezes de altíssima qualidade, com 1000 adeptos ou menos a assistir. Porque é que isto acontece? Porque o futebol está descredibilizado, abandalhado e mal-amado. Porquê? Lê o texto outra vez e reflecte sobre a forma como tens apoiado o teu clube nos últimos anos. Se enfiaste a carapuça é porque o futebol português não precisa de adeptos como tu.
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About Ai Vale Bujas

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5 comentários:

  1. Vale bujas, sim senhor.
    E que grande buja.

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  2. obrigado pelas palavras, caros amantes do futebol

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  3. AVB caramba, assim parece um blog serio! Muito obrigado pelas reflexões apartidárias. Fazem falta também na blogosfera.
    Contudo, não tinha tido oportunidade de dizer isto na ultima vez que comentei um post, e se me é permitido, a grande qualidade deste blog, a sua diferença, é o estilo como se expressa. Como benfiquista, quando passo pelos blogs encarnados, à quarta visita começa tudo a parecer igual, até as palavras parecem copias, so muda a ordem. Portanto faço um apelo para que a vinda a este blog continue a ser como se estivéssemos a ler um verdadeiro e autentico conhecedor de Bola! mais que futebol (que é optimo também, pois que muito pouco se discute e tenho pena o Lateral Esquerdo ter tirado férias). Porra quem se ia lembrar do Dinda? É esta malta que faz falta ao futebol e à blogosfera, a malta que ainda se lembra do Campomaiorense a jogar na primeira divisão! Que não se percam pérolas como "1º O Pandurii é um clube criado para homenagear o Panduru. O presidente deve-se chamar para aí Pandurã, o treinador Panduré, pequeno almoço deve ser pão duro, o patrocinador deve ser a Panrico e por aí adiante. Isto é um argumento tão forte quanto outro qualquer." porque só com humor se pode tirar prazer de um desporto infelizmente cada vez mais tratado à canelada em Portugal como este post demonstra.
    um bem haja.
    abr

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  4. muito obrigado, João! Mesmo a sério. Obrigado

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